AUTORIA DE CÁTIA VELOSO, EM PARCERIA COM MICHELLE MOREIRA
Ao falar em sustentabilidade, pensamos automaticamente em ESG, longevidade empresarial, preservação do meio ambiente, empresas diversas, ações sociais, ODSs, governança, compliance, ética, integridade, relatórios, indicadores, matrizes de materialidade.
Todos esses conceitos são mega importantes pra agenda 2030, essencial aos negócios cujas empresas almejam sua efetividade e longevidade.
Mas este conceito não é apenas empresarial. E provocamos vocês a pensarem sobre isso!
Não estamos aqui desmerecendo a prioridade que estes temas necessitam ter nas agendas dos executivos, mas provocá-los a pensar: quem pensa, planeja e executa essas agendas? São as pessoas! Então, nosso principal ativo, em qualquer setor econômico ou país, deveriam ser as pessoas.
Notaram o quanto falar de saúde mental está na moda?
A exposição deste tema foi uma das consequências concretas da pandemia, quando fomos arremessados em nossas residências, sem data pra sair.
Simone Biles, ginasta estadunidense, abandonou as Olimpíadas de Tóquio, em meio a competição, para priorizar sua saúde mental.
Nove em dez trabalhadores no Brasil dizem sentir-se estressados, o que afeta a qualidade do seu trabalho (OMS, janeiro/23).
Trinta milhões de brasileiros sofrem com burnout por ano (OMS, janeiro/23). Em 2019, este problema provocou 23 dias de ausência ao trabalho. Em 2020, com a pandemia de Covid, o número saltou para 902 dias. Já em 2022, cerca de 1.377 dias foram perdidos por força da exaustão emocional. (números da carteira da B2P, com 465 mil colaboradores em 16 empresas de todo o Brasil).
Seis mil e quatrocentas ações relacionadas a assédio moral são recebidas na justiça do trabalho, em média, por mês (TST, julho/23).
A ONU – Organização das Nações Unidas, em sua página do Instagram, trata saúde mental como um direito humano, fundamental a todos nós.
Pois então. Entendemos a importância hoje dada ao tema e super concordamos com a lupa que se põe sobre ele, mas devemos dizer que este assunto não é novo.
Desde 1992, todo dia 10 de outubro,, celebra-se o Dia Internacional da Saúde Mental. Mas, pelo visto, ele não teve, até aqui, o protagonismo necessário.
Pesquisas apontam que endereçar condições de saúde e bem-estar emocional no trabalho estão cada dia mais estimuladas nas organizações. Nos questionamos, no entanto, se os programas desenvolvidos estão sendo efetivos. Fala-se muito em assédio, discriminação, burnout, humilhações, constrangimentos… e num país como o Brasil, onde estar empregado é praticamente uma benção, passar por situações assim no ambiente de trabalho ainda é tolerada por muitos.
Mas, se desejamos resolver um problema, não podemos tratar apenas os sintomas, e sim as causas. E neste cenário, fato é que o assunto não é encarado de frente.
Observamos ao longo das nossas carreiras, causas e consequências cristalinas da falta de protagonismo humano. E quando falamos isso, não estamos nos referindo apenas às decisões empresariais; mas também, às escolhas realizadas pelas próprias pessoas. Muitas colocam a empresa à frente de si mesmas, de sua felicidade e realizações pessoais, e a fatura vem pesada no final.
Longe de nós sermos exaustivas sobre o tema neste artigo, mas destacamos aqui algumas causas e consequências que decidimos tratar, já que é de conhecimento de muitos que nos leem.
CAUSAS | CONSEQUÊNCIAS |
– ausência de perspectiva de crescimento e/ou reconhecimento profissional; – síndrome do impostor / dúvidas sobre sua capacidade pessoal | – incapacidade de impor limites x abuso da resiliência – ansiedade pré segunda-feira |
Ausência de perspectiva de crescimento e/ou reconhecimento profissional
Não são raras as falhas nos processos de planejamento de carreira nas organizações.
Processos internos de avaliação de desempenho, réguas de atribuições pré-definidos e de resultados esperados para cada uma das posições, reconhecimento proporcional e feedbacks constantes são, praticamente, um sonho!
Não são raras as dúvidas sobre quais requisitos/competências e/ou habilidades necessárias ao crescimento profissional numa determinada carreira/posição.
Vemos com muita frequência pessoas vivendo aquela sensação de frustração, estagnação e sentimento de ser “mais um”, acompanhada da angústia de não enxergar um plano de carreira estabelecido.
Situações assim exigem de todos uma “fluidez” para encarar estes desafios. Os colaboradores repetem para si mesmos todo o tempo: “preciso ser forte”, “isso é só um teste”, “se eu resistir eles irão me admirar e me reconhecer”. Ledo engano! Esse comportamento de tentar fazer parte e agradar seus contratantes atinge, em cheio, sua personalidade, seus limites individuais e seus princípios. E no final, o colaborador fica com uma falsa sensação de que lhe falta adaptabilidade, capacidade de “engolir”, ausência de amadurecimento emocional para enfrentar desafios desta modalidade. Ou seja, o colaborador se culpa por sua falta de reconhecimento; numa clara inversão de papéis.
O capitalismo impõe às organizações o resultado e lucro. Metas e objetivos são cascateados, muitas vezes, sem a devida individualização dos skills x posição ocupada pelo colaborador; o que gerará, por certo, descolamentos nos resultados. Afinal, das duas uma: ou serão metas com foco exclusivamente em resultados; ou, metas meramente formais, para constar num sistema de controle de resultados.
Não esqueçamos do ambiente de trabalho focado em resultados. É facilmente visível a competitividade desleal entre colegas, perseguição de alguns, favorecimento de outros, … tudo porque deseja-se, apenas, mostrar resultados e a ascender profissionalmente. Os colaboradores estão, com frequência, sobrevivendo ao mundo corporativo, sacrificando sua felicidade, engolindo sapos, sorrindo sem querer, ultrapassando seus limites e adoecendo aos poucos.
Mas, façamos uma reflexão: não é fácil identificar as reais expectativas da empresa x de cada colaborador, estimulando o crescimento profissional sustentável e ainda alcançando resultados financeiros. É preciso um trabalho de longo prazo, focado em pessoas, desenhado de acordo com cada empresa, para que tenha sustentabilidade e longevidade. Hoje, no entanto, o que vemos são colaboradores passando por cima de si mesmos para manter seus empregos, perdendo parte de sua integridade no meio do caminho.
Assim, sem saber aonde chegar e quais planos executar para alcançar este objetivo, como não se culpar por não chegar até lá? Pensamento normal e esperado. À nós, nos parece aquele dilema infantil do: “Quem vem antes? A galinha ou o ovo?”
Síndrome do impostor e dúvidas sobre sua capacidade pessoal
Nasce, assim, a dúvida cruel que já perseguiu muitos e muitas: “será que estou preparado(a) para assumir esta responsabilidade?”
A síndrome do impostor é o “artifício” que paira, quase que diariamente, na cabeça dos colaboradores, trazendo uma perturbação constante no dia a dia de trabalho, e que impacta negativamente o empenho das atividades e mina os pontos fortes. Essa sensação é ainda mais predominante em mulheres, que impõem a si mesmas mais horas de estudos, mais obstáculos, mais questionamentos, mais cobranças, mais dedicação. Os homens também têm estes pensamentos. A diferença entre eles, é que os homens não dão atenção a estes boicotes psicológicos e arriscam mais, sem ressentimento ou sensação de fraqueza. Enquanto as mulheres, adubam estes medos e se retraem.
Duvidar de si mesmo pode ser um estímulo interessante e provocativo, mas reconhecemos que, em muitos momentos, são sabotadores certeiros. Portanto, é normal ter sentimentos e emoções complexas; mas aprender a lidar com elas, é essencial à construção de sua individualidade e percepções de limites toleráveis/intoleráveis; afastando autoavaliações perversas, ambientes tóxicos e/ou permissividade de julgamentos por terceiros.
Incapacidade de impor limites x abuso da resiliência
Não confundam resiliência com capacidade de “aguentar porrada”. Esqueçam! Essa premissa é arcaica e ultrapassada, e ficou arquivada nas escrivaninhas dos anos 80.
Resiliência é a capacidade de adaptabilidade e crescimento em situações adversas; mas nada tem a ver com sobrevivência a ambientes tóxicos, tolerância ao assédio ou discriminação. Comprometer a saúde mental em troca de um abraço, um bônus ou meia dúzia de parabéns não vale a pena!
Naturalmente, ser absorvido por demandas profissionais, ignorando os sinais de desgaste emocional, pode ser bem comum. Os problemas de saúde vão surgindo silenciosamente (insônia, falta de apetite, ansiedade, nervosismo, queda de cabelo, alergias de pele, dormências…) e vão corroendo, aos poucos, a capacidade de lidar com situações básicas do dia a dia. Toques de celular assustam, mensagens no teams tiram o humor e e-mails consomem o final de semana.
Ignorar compromissos pessoais, em nome do trabalho, como cancelar consultas médicas, comemorações de família, encontro casual com amigos, almoçar no horário, ter hábitos saudáveis; se tornam rotineiras. Não só porque existem um número alucinante de entregas a fazer, mas também da dificuldade de muitas pessoas em delegar ações. Tudo em excesso, até vitamina, faz mal. Saibam disso! Não manter uma rotina de exercícios físicos, por exemplo, pois pensa-se que o tempo dispendido na academia seria mais bem aproveitado nas atividades profissionais, para antecipar uma entrega ou cumprir um deadline do cliente, é mais comum do que se pensa!
Enfim, essas e outras situações são bem recorrentes e podem indicar uma incapacidade da pessoa em dizer “não” e impor limites; seja em nome de sua subsistência financeira, seja para ganhar uma estrelinha no final do dia.
E não esqueçamos: contar com a gentileza e senso de colaboração de colegas de trabalho é raro de se ver por aí! Existe! Acontece! Mas é preciso garimpar.
Portanto, saiba onde seu “calo aperta” e busque um calçado confortável. Não se force a usar uma sandália louboutin, se você se sente melhor de tênis.
Ansiedade pré segunda-feira
Bom, os fatores acima e outros que não foram mencionados até aqui, irão se converter num alto nível de estresse e de ansiedade. É comum ouvir relatos de tristeza, insônia, tensão e até mal-estar no final de domingo ou no amanhecer da segunda-feira. Apesar deste desânimo, as obrigações chamam e cada um repete a si mesmo: “Seja forte! Seja firme!”.
Desgaste emocional ou físico, desmotivação, insatisfação com as atividades, cansaço, acúmulo de funções, ausência de férias, atividades pendentes… tudo é misturado num liquidificador mental e sua produtividade cai! Não é possível ser produtivo quando sua mente está tão absorvida por sentimentos e sensações detratoras.
Não se saberá se o colaborador não foi promovido porque não entregou, não performou; ou, não performou porque esteve exposto a num environmental inadequado. Esse diagnóstico pode ser bem difícil de detecção ou confundido como “frescura”, “mi, mi mi”.
Efetividade e produtividade precisam de uma mente leve, criativa, inovadora e feliz. E essas sensações são adubadas através da conexão do propósito do colaborador com o da empresa, admiração pela liderança, amor pelo trabalho, incentivos e reconhecimentos de skills pessoais.
O mais importante é ter cuidado e observar os sinais.
E o que diz as boas práticas de gestão de pessoas?
Pesquisas apontam que as pessoas esperam, cada vez mais, da vida no trabalho a mesma coisa que elas esperam da vida após o trabalho: (i) reconhecimento; (ii) autonomia; (iii) segurança; (iv) aprendizados; (v) propósito e (vi) coesão.
Uma vez que esses fatores são atingidos, os colaboradores poderão alcançar a plena satisfação, colaborando na sensação de pertencimento e da estima, resultando no ressignificado de sua relação com o trabalho.
Para tanto, as organizações precisam investir recursos humanos e financeiros para criar uma cultura voltada para pessoas. Dentre os passos, nos parece importante:
- Conhecer seu colaborador. Ouça suas expectativas por meio de diferentes canais de comunicação, permitindo a confiança e o acolhimento necessários.
- Desenvolver a liderança para reconhecer a complexidade e unicidade dos liderados; aceitando as diferenças e descobrindo seus pontos fortes.
- Abir rodas de conversa para discussão de dificuldades de adaptabilidade, diferenças geracionais.
- Investir no alinhamento de propósitos: da empresa e de seus colaboradores; ampliando a possibilidade de satisfação pessoal e profissional.
- Provocar mudanças tempestivas de modelo de gestão, em caso de falhas perceptíveis.
- Implementar regras claras para o respeito e integridade (compliance) e praticá-las.
- Treinar e capacitar as pessoas sobre temas sensíveis como assédio, discriminação, comportamento inadequado.
- Estimular um ambiente de trabalho positivo, que reconheça a solidariedade e cooperação e que incentive o equilíbrio entre vida profissional e pessoal como fundamental.
- Valorizar a celebração de conquistas, afinal, elas não precisam ser comemoradas somente no final do ano.
Este é um trema que interessa a todos os stakeholders, e afetam diretamente a efetividade e produtividade. O equilíbrio emocional é essencial a todos; fundamento básico e indispensável à longevidade profissional e pessoal; à sustentabilidade humana.
Não há sustentabilidade em empresas que assediam. Não há sustentabilidade em empresas que não são diversas. Não há sustentabilidade em empresas que humilham e ignoram a saúde mental dos seus colaboradores.
Só há sustentabilidade em empresas com pessoas que possuem sua sustentabilidade pessoal preservada, íntegra!